02 maio, 2009

A ciência e o biquíni

Cara: vai chover e ficamos em casa. Coroa: vai fazer sol e vamos para a praia.”  Era assim que um amigo de juventude lidava com qualquer decisão. Almoçaremos hambúrguer ou caqui?  Para a gripe, sorvete ou chá quente?  Tudo era sorteado, para o Bem ou para o Mal.  Escondidos atrás do véu da ignorância, conferíamos a responsabilidade das nossas ações à moedinha de cruzeiro. Bons tempos.

Conforme crescemos, os dilemas tornam-se mais complicados e as decisões mais difíceis. E a maturidade nos exige fundamentar decisões em avaliações criteriosas, baseadas em evidências, relações causa-efeito, especialização do conhecimento. Com vocês, a moeda de um lado só: a ciência.

Hoje, a meteorologia é quem define meu fim de semana, pois, afinal, tem gente contando os cumulus nimbus só para sinalizar se vou poder pegar um bronze em Ubatuba. Nas refeições, sou obrigada a escolher o caqui, porque alguém se deu ao trabalho de calcular as calorias pornográficas do saudoso hambúrguer. E sorvete gripada? Faça-me o favor!

Eles estão por aí, observando, fazendo experimentos, colhendo números. Os cientistas são incansáveis em sua jornada para nos revelar a Verdade. Graças a eles, sabemos que o planeta é redondo e que o céu não vai cair sobre nossas cabeças.  Devemos a eles a sabedoria de que basta uma gotinha na infância para evitar a paralisia no adulto.

Por causa deles, somos capazes de – quase sempre – fugir de uma cidade antes de um terremoto, de saber que comer algo estragado nos mata, de entender que precisamos perdoar nossos pais para amar nossos pares. Mas se a pesquisa científica pode servir de orientação, algumas vezes mais complica que esclarece.  Em uma semana eu tomo um cálice de vinho para evitar ataque cardíaco, na outra me martirizo, pois aquele mesmo cálice aumenta minhas chances de morrer de cirrose.

E na sustentabilidade é igual.  Parar de consumir carne ou soja?  Neutralizar as emissões do meu carro dá no mesmo que andar de bicicleta? A energia de hidrelétricas é melhor que a nuclear? Mais uma vez os cientistas estão lá, prontos para nos confundir. Nas prateleiras da academia, tem prova para tudo: basta escolher o que melhor lhe apetece. A verdade inconveniente é que, perante tais impasses, você terá de fazer escolhas, baseadas em seus valores e ideais, porque a ciência, meu caro, nem sempre vai ajudá-lo.

Se em muitos assuntos cabeludos ainda não há consenso, na questão do aquecimento global a confusão é pouca. Há pesquisas abundantes e evidências suficientes para deixar claro o perigo que estamos correndo. Qualquer pesquisa provando o contrário é olhada com desconfiança. Ainda assim, na ânsia de publicar pesquisas inéditas e na sede por novas descobertas, às vezes os cientistas se perdem.

Recentemente, acusaram o Google de ser um dos grandes vilões das emissões do planeta. Segundo o pesquisador Alex Wissner-Gross, da Universidade Harvard, o gigante da internet consome energia demais para oferecer aos internautas seu consagrado sistema de busca.  O próprio Google achou que precisava responder à crítica, passando a anunciar que cada busca em seu site produz apenas 0,2 grama de carbono na atmosfera, e não os 7 gramas calculados pela pesquisa.  E aí, você que não fez nem mestrado nem nada se pergunta: não seria muito pior se eu tivesse de pegar o carro e ir até uma biblioteca?

Outras vezes, as pesquisas vão longe demais – ou de menos -, especialmente as que se baseiam em estatísticas. Estudo publicado em abril pelo renomado International Journal of Epidemiology acusa os obesos de emitirem mais carbono que os magros. Altas taxas de obesidade em países ricos causariam toneladas extras de emissões de gases de efeito estufa em comparação com países com populações mais magras.

No modelo, os cientistas compararam uma população “magra”, de 1 bilhão de pessoas, com distribuição de peso equivalente a um país como o Vietnã, a uma população “gorda”, tal como a dos EUA, da qual cerca de 40% é obesa.  A população “gorda” precisaria de 19% mais energia proveniente de alimentos, além de maior uso do automóvel, considerando o maior esforço para transportar o próprio corpo.

Na estimativa, calculou-se que as emissões de gases de efeito estufa da produção de alimentos e transporte para o bilhão de pessoas mais gordas ficariam entre 400 milhões e 1 bilhão de toneladas extras por ano. Se comparado com o total de emissões globais de 27 bilhões em 2004, é um valor expressivo. Para os cientistas, a descoberta é “preocupante”.  E enfatizam que, a partir de agora, ser magro não é apenas bom para sua saúde – também é melhor para o planeta.

Mas as nações mais ricas consomem mais de tudo, não apenas comida.  Tem o automóvel, a TV de plasma… Não bastaria só restringir o a sobremesa dos obesos. Seria necessário uma dieta do consumo. Algo como: a partir de segunda-feira não vou mais trocar de carro todo ano! Ou seja, o buraco é mais embaixo.

As pesquisas acadêmicas nutrem a sociedade de informações e reflexões. A produção científica é um dos grandes indicadores de desenvolvimento de um país e alavancador de oportunidades.  Mas cuidado para não comprar tudo que se apresenta. É como aquela piada. Algumas vezes, a pesquisa científica é como o biquíni: mostra tudo, mas esconde o essencial.
(publicado originalmente na Revista Página 22 - www.pagina22.com.br